A natureza humana é compassiva e as crianças são prova disso. Quando deixamos que uma criança seja ela própria, muito dificilmente quererá maltratar e, muito menos, matar um animal. Quando lhes perguntamos se os animais — sejam cães, porcos, peixes — são amigos ou comida, é certo que vão responder que são amigos. E, no entanto, acusamos as mães e os pais de forçar um “estilo de vida” nos seus filhos quando a alimentação é coerente com aquilo que as crianças acreditam e defendem.
A Luna é filha da Sarah e mostrou desde cedo, por vontade própria, que não quer fazer mal aos animais e que, por isso, não os quer comer. Ambas são incríveis e inspiradoras, pelo que era inevitável pedir à Sarah para que partilhasse o seu testemunho e as suas experiências, de modo a desmantelar um pouco mais a ideia tendenciosa de que as crianças não podem ter uma alimentação sem crueldade.
Fala um bocadinho de ti e da tua página.
Estar rodeada de pessoas envolve não só o meu trabalho como a minha forma de ser. Quando partilho a minha realidade de mãe e vegana gera muita curiosidade nas pessoas, sendo elas veganas ou não. Muitas não acreditam ser possível nascer e crescer tendo uma alimentação vegetariana estrita, outras gostam de saber mais sobre a “prova viva”. Por isso surgiu-me esta vontade de criar uma página em relação à maternidade vegana, para compartilhar as minhas experiências e informações que possam ajudar outras mães e pais a iniciarem e manterem este estilo de vida.
Quando te tornaste vegana? Quais foram os motivos principais?
Em abril de 2014. Já era ovolactovegetariana desde 2011 pelos animais e quando descobri como funciona a indústria do leite e dos ovos me tornei vegana pelo mesmo motivo.
Como foi a tua alimentação durante a gravidez? Que cuidados tiveste?
Antes de engravidar preocupava-me mais com produtos que imitavam os produtos não-veganos que consumia antes de me tornar vegana: procurava sabores e hábitos semelhantes aos que tinha antes, sem me preocupar muito com o equilíbrio dos alimentos. Na gravidez mudei a minha perspectiva e comecei a ler mais sobre alimentação vegana saudável, dando prioridade a alimentos naturais e não industrializados como leguminosas, cereais, vegetais, sementes e frutas.
Quais são os produtos cruelty-free que mais gostas e que aconselhas para as pré-mamãs, bebés e crianças com a idade da Luna?
Desde sempre, incluindo na gravidez e nascimento, usei óleo de coco. Nunca passei pomada de assadura: aconteceu poucas vezes irritações e quando acontecia aplicava óleo de coco e passava. Para lavar o cabelo no banho usava sabões naturais locais.
Hoje, com 5 anos, usamos produtos de cabelo da Lola Cosmetics para cabelos encaracolados.
Arte de Claudia Tremblay
A Luna já frequenta a escola. Como foi a adaptação a nível geral?
Quando iniciou na creche não pública levávamos as refeições de casa. Para isso ser possível precisámos de um papel assinado pela médica de família, a dizer que a família se responsabiliza pela alimentação e pela saúde da criança.
A minha preocupação inicial era a Luna se sentir desconfortável por ser a única a comer refeições diferentes na escola e por levar de casa, mas a realidade deixou-me muito tranquila! As educadoras tiveram que ensiná-la a não deixar os colegas tirarem comida de seu prato, senão ficaria sem almoçar. Todos ficavam curiosos com as marmitas da Luna e queriam experimentar: comentavam que cheirava bem e até as educadoras elogiavam o cheiro e o aspecto. Foi tudo muito fácil e não houve constrangimentos.
Este ano a Luna iniciou o pré-escolar e segundo a Lei nº 11/2017 é obrigatória a disponibilização de menus vegetarianos estritos em cantinas e refeitórios públicos. As crianças têm direito ao pequeno-almoço, almoço e lanche da tarde e se há pedido para vegetariano estrito eles fazem gratuitamente ou com um preço simbólico dependendo do escalão em que a família se encontra.
No nosso caso comemos o pequeno-almoço em casa, a Luna almoça na escola e leva um lanche mais nutritivo para a tarde.
Costumes especistas continuam a ser incutidos em ambiente escolar, tanto nos manuais como em visitas de estudo a oceanários e jardins zoológicos. Como é que lidas/pensas lidar com essas situações?
Para todos estes eventos é preciso a assinatura dos pais para a escola poder levar as crianças. Eu sempre assino que não autorizo, obviamente. Como sabemos, veganismo é mais do que uma dieta e tudo que envolva exploração e abuso animal nós não participamos de forma alguma.
A teu ver, como devemos abordar o veganismo às crianças?
Com muito amor. Sem julgamentos e sem imposições.
Quando a Luna me perguntou o porquê de sermos veganas com 2 anos de idade, eu respondi que é pelo amor aos animais. Mostrei os animais habituais de consumo e disse que não há comparação com os cães e gatos que temos em casa e se nós não vamos comer os cães e gatos porque os amamos, também não iremos comer outros. Ela percebeu perfeitamente e concorda. É muito fácil uma criança perceber isso, faz parte da nossa natureza.
Quando me pergunta o porquê das outras pessoas comerem os animais, eu digo que é porque as pessoas não sabem que os animais amam e sentem. Explico que as outras pessoas não são más, só não sabem que não precisam comer animais para serem saudáveis e felizes e, em sequência disto, diz-me: “Quando eu for grande eu vou dizer a toda gente que não precisam comer os animais, nunca mais! Só pode fazer festinhas!” ■
Social Icons