É com muita alegria que vos trago a Claiti Cortes, a primeira mãe do Brasil que participa nesta rubrica. Na sua conta de Instagram, o Imagina Vegan, ela publica refeições saborosas, nutritivas e baratas para toda a família, inclusive para a sua pequena Antonela, que fez dois anos há pouco tempo. Através dessas partilhas pretende mostrar como o veganismo pode ser acessível para todos, bem como a importância de o popularizar para que não seja visto como um mero nicho de consumo. Para quem pensa que uma alimentação totalmente vegetal é dispendiosa, exige demasiado tempo e não é saudável para bebés e crianças, esta entrevista vai com certeza desconstruir essa ideia e esclarecer algumas dúvidas. Fiquem por aqui e leiam as palavras da Claiti ♥
Fala um bocadinho de ti e do teu projecto.
Me chamo Claiti, moro no sul do Brasil, sou vegana há cerca de 3 anos e há 1 ano comecei a compartilhar no meu perfil do Instagram receitas veganas do meu dia a dia – receitas rápidas porque isso faz toda a diferença quando se cozinha todo dia, fáceis e principalmente com ingredientes acessíveis.
No perfil compartilho também a minha vida e minha maternidade. Sou mãe da Antonela, uma bebê que acabou de fazer 2 anos e que compartilha do mesmo estilo de vida meu, sem consumir nada de origem animal.
Quando te tornaste vegana? Quais foram os motivos principais?
Me tornei vegana há cerca de 3 anos, mas fui ovolactovegetariana por 2 anos antes disso.
Comecei a me interessar por alimentação saudável e acabei encontrando também muito material, como livros e documentários, que falavam dos problemas do consumo de carne e os problemas éticos envolvidos. Tempos depois percebi que uma alimentação verdadeiramente saudável, tanto para o corpo, como para o bem estar dos animais e do planeta, não poderia ter nada de origem animal e me tornei vegana.
Como foi a tua alimentação na gravidez?
Foi bem tranquila, fora os enjoos dos primeiros meses: eu já buscava uma alimentação saudável com ingredientes de verdade e feita em casa antes da gravidez, então só segui a mesma. Não tive nenhuma deficiência de vitaminas ou minerais. Só suplementei ferro porque é a recomendação em todos os casos.
Aproveitando para partilhar sobre outras culturas, como é ser mãe e vegana no Brasil?
A região sul tem um consumo muito elevado de produtos de origem animal, principalmente pela cultura gaúcha. Por aqui é tudo novo, preciso sempre explicar para as pessoas o porquê da minha escolha e o tudo que como e não como. Sei que pra eles parece até um sofrimento, porque tem muito essa ideia de que comida sem produtos animais ou é sinal de pobreza ou então é muito caro (e realmente é se comprar apenas produtos industrializados), mas tento sempre mostrar a grande diversidade alimentar que temos usando os ingredientes que dão aqui.
Arte de Catie Atkinson
Fazes amamentação prolongada. Como tem sido a tua experiência a nível geral? Que mensagem queres deixar às mães que são constantemente pressionadas a parar de amamentar?
Por aqui a amamentação é ainda um grande tabu: desde a maternidade ou consultas pediátricas, a pressão para fórmulas infantis é muito grande. Se tem essa ideia de que o leite materno é fraco, que é ultrapassado ou até vulgar. O melhor é sempre estar munida de muita informação pra não deixar que a pressão externa acabe nos abalando, ainda mais no início da maternidade onde o emocional é tão frágil. A certeza de estar oferecendo o melhor pra minha filha é o que me fortalece a continuar.
No teu Instagram partilhas sobre veganismo popular e maternidade real. O que é o veganismo popular e como o conjugas na tua rotina enquanto mãe?
O veganismo popular não se restringe ao consumo, como o veganismo estratégico: ele entende que a mudança não tem como vir das mesmas empresas e corporações que propagam a exploração. E compreende também que todas as opressões estão de alguma forma ligadas, tanto de animais não-humanos como de humanos e luta pelo fim de todas elas.
Criar um filho com esses princípios é pra mim uma forma de revolução, é a esperança de semear um futuro melhor.
Ser mãe é extenuante, o que torna a comida industrializada bastante apelativa. Quais são as tuas dicas para planear refeições para bebés que sejam simples, nutritivas e que não exijam muito tempo?
Na nossa casa, o que facilita é oferecer ao bebê a mesma comida que comemos. Fazemos BLW [Baby-led Weaning] então ela come sozinha e na mesma textura que nós.
Algumas coisas como leguminosas cozinhamos em grande quantidade pra congelar, assim já garantimos uma boa parte da refeição. Gosto sempre de incluir, além da leguminosa, cereal e legumes, verduras e até frutas de cores variadas.
Também gosto de incluí-la na cozinha: isso exige um pouco mais de tempo e calma, mas vê-la se envolvendo com a comida compensa.
Como é educar uma criança vegana num mundo especista? Quais os problemas e os preconceitos mais comuns e o que fazes para os resolver?
Muito do que nós, como veganos, vemos como errado, para uma boa parcela da população passa despercebido e são essas coisas que tento ir explicando para minha filha, de forma adequada para a idade, claro, como por exemplo que o leite da vaca é para o bebê dela, assim como o meu é para o meu bebê. São passos lentos, mas assim vamos construindo um futuro mais consciente e empático.
Arte de Catie Atkinson
A maternidade continua a ser imposta às mulheres, ao mesmo tempo que é invisibilizada. Achas que no veganismo, e no próprio feminismo, essa invisibilização é perpetuada? O que podemos fazer para as vozes das mães serem mais escutadas, tanto nesses movimentos como numa sociedade que insiste em menosprezá-las e silenciá-las?
A maternidade é muito romantizada: por todos os lados a referência é sempre a mesma, da mulher que dá conta de tudo e continua plena. Essa ideia é tão difundida que quem não se encaixa sente culpa, vergonha e se cala.
O mundo de um modo geral é bastante hostil com as crianças. Os espaços não estão preparados para recebê-las e na maioria dos casos nem faz questão.
O movimento de childfree tem crescido e se expandido muito, e é um movimento genuíno que conta com todo meu apoio, mas ele não pode se transformar em ódio às crianças, como acontece em muitos casos aqui no Brasil. Esse discurso de ódio só exclui ainda mais as mulheres mães, que já estão sozinhas. É preciso acolher e fortalecer a luta das mães, pra que nós, com nossas crianças, também tenhamos espaço para lutar. ■
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