Maus tratos a animais que são explorados não são casos isolados.
As imagens do corte de lã, captadas por activistas em 49 fazendas inglesas e escocesas, mostram animais a ser chutados, esbofeteados e espancados com tosquiadeiras de metal. O material audiovisual, que contém conteúdo susceptível, foi partilhado nas redes sociais.
A investigação secreta, levada a cabo pela PETA Ásia, decorreu durante o Verão deste ano e mostra o procedimento rotineiro da indústria da lã britânica. Os 18 minutos de filmagens divulgados são parte de uma investigação mais ampla, na qual a PETA documentou abusos em 25 fazendas nos condados de Buckinghamshire, Hertfordshire, Suffolk, Essex e Northumberland. Na Escócia, captou evidências de 24 fazendas em West Lothian, Fife, Borders, Dumfries e Galloway, East Lothian, Midlothian e South Lanarkshire.
ATENÇÃO: Conteúdo violento e com linguagem de baixo calão. Fragmentos das filmagens nas fazendas de produção de lã em Inglaterra e Escócia. Os funcionários e tosquiadores agridem constantemente os animais com socos e pontapés. Também os espancam e os atiram contra o chão. Vídeo: The Guardian/PETA Asia
As filmagens mostram os funcionários a gritar com os animais enquanto os pontapeiam no rosto e batem as suas cabeças contra o chão. Numa cena, um trabalhador esmurra repetidamente a cabeça de uma ovelha que está inerte, ao mesmo tempo que grita obscenidades. Noutros registos, os tosquiadores espancam os animais com os instrumentos de metal utilizados e atiram-nos das suas plataformas para o chão. Quando as ovelhas tentam mover-se durante o processo de corte, os trabalhadores imobilizam os animais bruscamente, chutando-os na cabeça e no pescoço e agredindo-os no rosto.
Injúrias graves também foram filmadas, revelando como o processo de tosquia deixa feridas abertas nos animais.
A PETA enviou as gravações para a Suffolk Trading Standards e a SPCA escocesa (Sociedade para a Prevenção da Crueldade com Animais), juntamente com alegações documentados contra alguns trabalhadores, descrevendo o abuso de animais.
O grupo também solicitou a Lord Gardiner, membro do Parlamento do Reino Unido, e à ministra escocesa dos Assuntos Rurais, Mairi Gougeon, a colocação de câmaras nas instalações onde as ovelhas são tosquiadas.
“Esta nova filmagem deixa claro que a crueldade que registámos em vídeo está distante de ser uma anomalia, como a indústria quer que pensemos, e mostra como as operações de corte [de lã] tratam os animais – algo que todo o consumidor tem o direito de saber”, disse Jason Baker, vice-presidente sénior da PETA Ásia.
“Descobrimos que o abuso [das fazendas da Inglaterra e Escócia] é semelhante em todas as fazendas que visitamos em todo o mundo”, contou Nirali Shah, também membro da PETA Ásia, ao jornal The Guardian.
Shah acrescentou que as novas filmagens foram divulgadas para encorajar as pessoas a pararem de comprar lã. “Lançámos mais alguns minutos de filmagem porque, com a temporada das compras de Natal, queremos mostrar aos consumidores apenas um vislumbre da extensão desses abusos. Isto não é apenas um ou outro incidente: é a crueldade que as ovelhas enfrentam, todos os dias, na indústria de lã.”
Exploração de animais: quando os agressores também são vítimas
Não bastassem o stress, a pouca segurança na área de trabalho e os ordenados miseráveis, estudos comprovam que pessoas submetidas a actividades que implicam explorar e matar animais acabam por tornar-se excessivamente agressivas e/ou depressivas. A indústria pecuária bate o recorde de casos de depressão profunda e acidentes moderados a graves, aspectos que também caracterizam outros sectores que tomam os animais como produtos. A psicóloga social Melanie Joy explica esse fenómeno no seu livro Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas:
“Em qualquer ideologia violenta, os que estão no negócio de matar podem não se mostrar imperturbáveis no início, mas acabam por se acostumar à violência que outrora os perturbou. Este tipo de ambientação reflecte o mecanismo de defesa a que se deu o nome de rotinização – a execução rotineira de uma acção até ficarmos insensíveis ou entorpecidos em relação a ela.” (1)
Os trabalhos que envolvem o manuseio de animais baseiam-se nos modelos taylorista e fordista. A diferença é que, no último, várias peças criam um único produto (neste caos, um carro); já nestas indústrias um animal é preparado e cortado para criar vários produtos.
A objectificação intensiva dos animais acaba por insensibilizar os funcionários, que são pagos pelo material conseguido e não pelas horas laborais. Isso reflecte-se na negligência com que as ovelhas são tratadas na indústria da lã: como a prioridade é obter a lã o mais rapidamente possível, feridas profundas são recorrentes. Casos como metade da face dos animais ser arrancada durante a tosquia são igualmente comuns.
A crueldade não é uma excepção. É um padrão.
Todas as indústrias que se aproveitam dos animais como fonte de rendimento — seja para alimento, vestuário, entretenimento, entre outros — têm um objectivo em comum: manter a verdade bem afastada dos consumidores. Quando situações de crueldade são expostas, as várias empresas, organizações e associações ligadas a essas indústrias tratam imediatamente de fazer a mesma declaração: Levamos muito a sério o bem-estar animal e qualquer comportamento que se encontre fora desse parâmetro não é tolerado.
O problema é que são essas mesmas indústrias que fazem com que esses comportamentos intoleráveis aconteçam, ao sujeitarem pessoas sensíveis a uma dessensibilização sem limites e exigindo um enorme nível de produtividade no menor espaço de tempo possível. Para além de não existir bem-estar nestas condições (predominantes na indústria padrão, que vende mais de 97% dos produtos de origem animal a nível global), também não é legítimo falar de bem-estar quando há exploração, por mais mínima que seja. Continuar a usar animais seja para o que for, mesmo que sejam criados ao ar livre (o que é altamente improvável), perpetua a visão comoditizada que temos deles.
A crueldade animal não está aparte: está inserida na rotina. Na verdade, é a rotina. Os animais que usamos são manipulados ainda antes de nascer: no caso das ovelhas, sofreram uma mutação genética para que produzam mais lã acima do normal. A taxa de mortalidade é elevada devido à hipertermia, inanição, desidratação e hematomas causados durante o processo de tosquia e corte.
Como o único propósito é o lucro, assim que um animal não produz mais o produto pelo qual é explorado torna-se inviável e é condenado à morte. O mesmo sucede com animais fracos, doentes ou com outras complicações: como cuidados médico-veterinários implicam despesas e gastar tempo, as indústrias preferem matar os animais ou deixá-los morrer.
A lã não é inocente. Prefiram roupas com alternativas vegetais e sintéticas, como o linho ou o algodão. Não financiem o sofrimento: não comprem vestuário e calçado com materiais provenientes de animais.
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Notícia traduzida e adaptada do The Guardian
(1) JOY, Melanie. Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas, cap. 4, pág. 101. Bertrand Editora, 1ª Edição: Setembro de 2018
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