Em Novembro de 1995, Emily, a vaca, estava numa fila de bovinos de um matadouro da Nova Inglaterra, enquanto esperava a sua vez para atravessar a porta vaivém da plataforma de abate. Talvez fosse do cheiro do sangue, ou do facto de não ter visto regressar os que tinham entrado antes dela, mas Emily saiu da fila, correu na direcção da cerca de 1,5 metros de altura que encurralava a área e fez passar o seu corpo de quase 700 quilos por cima dela. Fugiu pelos bosques e conseguiu escapar aos incrédulos trabalhadores que correram atrás dela.
Durante 40 dias e noites bastante frios, Emily escondeu-se dos seus perseguidores nas áreas arborizadas de Hopkinton, no Massachusetts, uma pequena cidade rural no coração de Nova Inglaterra. E embora a empresa A. Arena & Sons, proprietária do matadouro do qual Emily escapara, estivesse decidida a capturá-la, os habitantes locais estavam decididos a ajudá-la na sua fuga para a liberdade. Os lavradores deixavam-lhe fardos de palha e alguns dos moradores locais enganavam deliberadamente a polícia, fornecendo informações falsas sobre a sua localização.
Lewis e Megan Randa, fundadores da Peace Abbey, um centro espiritual e educacional para a vida não violenta que funcionava ali perto, ficaram a par da difícil situação de Emily. Os Randas ofereceram-se para comprar Emily à A. Arena & Sons. Esperavam que Emily pudesse viver no pequeno santuário de vida animal existente na sua propriedade. O dono do matadouro, Frank Arena, ficou sensibilizado pela história de Emily e aceitou vender a vaca de 500 dólares por apenas 1 dólar. Este inesperado acto de benevolência foi seguido por um outro: a produtora cinematográfica Ellen Little, que comprara os direitos da história de Emily por uma soma que cobria os gastos com a vaca durante toda a sua vida, doou mais 10 mil dólares para a construção de um novo estábulo para Emily e um centro educacional adjacente que se focasse em questões relacionadas com os animais.
Emily, outrora uma anónima vaca leiteira, tornou-se um indivíduo inspirador de compaixão nas muitas vidas que tocou. Pessoas de todo o mundo confessaram que pararam de comer carne simplesmente por terem ouvido falar dela. As suas defesas carnistas ruíram e foram substituídas pela compaixão. Por que outra razão uma comunidade de pessoas que come carne e agricultores ajudariam uma vaca fugitiva a escapar ao abate? Por que outra razão o dono de um matadouro doaria a sua vaca a um santuário de animais que funcionava também como centro de educação vegetariana?
Emily viveu o resto da sua vida na Peace Abbey e morreu de cancro uterino quando tinha 10 anos. O seu serviço fúnebre atraiu a atenção internacional e os testemunhos de homenagem duraram mais de uma hora. Um dos testemunhos em particular captou a essência da história de Emily:
A tua simples presença gerou uma nova consciência nas pessoas. Bastava olhar para esses teus grandes e luminosos olhos castanhos para comunicar muito mais do que as palavras alguma vez conseguiriam. [...] Deste um testemunho silencioso da urgente necessidade de uma compaixão abrangente. [...] Não pode haver "últimas homenagens" para ti, Emily, e nada estará terminado até o último matadouro fechar as portas, até todos os seres revelarem compaixão uns pelos outros a nível local e global. É um processo cujo desfecho me sobreviverá também. A tua corajosa vida será uma contínua lembrança de que nunca deverei desistir. Tu nunca o fizeste. (1)
E a vida de Emily continua a ser uma lembrança. Lembra-nos de nos recusarmos a permitir que o sistema violento que é o carnismo(2) nos cegue para a verdade, a verdade do sofrimento desnecessário de milhares de milhões de animais – e a verdade de que nos importamos.
Emily foi imortalizada com uma estátua de bronze em tamanho real, feita à sua imagem e semelhança, que se encontra sobre o seu túmulo na Peace Abbey. Esta estátua, com a inscrição «Emily, a Vaca Sagrada», ergue-se como testemunha dos milhares de milhões de animais que são as vítimas anónimas do carnismo e da enorme quantidade de seres humanos que estão a lutar pela liberdade desses animais. A estátua da vaca sagrada representa o acto sagrado de ser testemunha.
Melanie Joy, Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas
1ª edição: Setembro de 2018, Bertrand Editora
Fotografia: A vaca Emily e Megan Randa, co-fundadora do Peace Abbey Foundation. [Arquivo: Megan Randa/Middlesex News]
(1) Kathy Berghorn, Emily the Sacred Cow: Lewis Has Asked Me to Put Down Some of My Thoughts on Emily, 2 de Abril de 2003
(2) Carnismo é um sistema de crenças invisível e que justifica a matança de certas espécies de animais para consumo da sua carne. Esta ideologia classifica alguns animais como comestíveis e outros como não comestíveis, fazendo com que o tratamento dado aos primeiros seja visto como normal e necessário, ao mesmo tempo que, se fosse cometido contra os segundos, seria considerado crueldade animal.
Fotografia: A vaca Emily e Megan Randa, co-fundadora do Peace Abbey Foundation. [Arquivo: Megan Randa/Middlesex News]
(1) Kathy Berghorn, Emily the Sacred Cow: Lewis Has Asked Me to Put Down Some of My Thoughts on Emily, 2 de Abril de 2003
(2) Carnismo é um sistema de crenças invisível e que justifica a matança de certas espécies de animais para consumo da sua carne. Esta ideologia classifica alguns animais como comestíveis e outros como não comestíveis, fazendo com que o tratamento dado aos primeiros seja visto como normal e necessário, ao mesmo tempo que, se fosse cometido contra os segundos, seria considerado crueldade animal.
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