01/02/2018

Gatos pretos não são adoptados porque não ficam bem nas fotografias


A denúncia parte de várias associações britânicas de apoio a animais: gatos de cor preta estão a ser cada vez mais rejeitados por causa do papel que as redes sociais desempenham actualmente na vida humana.

A associação The Moggery, que acolhe e aloja animais abandonados, revelou que as pessoas recusam adoptar gatos pretos por não ficarem bem em selfies. A situação também foi abordada pela Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), que anunciou que o número de gatos de cor preta que chega às suas instalações está a aumentar consideravelmente, em comparação com os felinos de outras cores. Em média, são precisos mais dez dias para conseguir uma família a um gato preto ou preto e branco do que a um gato de outra cor.

Se antes já era muito complicado conseguir adoptantes para estes animais, agora está a ser ainda mais – e tudo isto porque os gatos pretos não correspondem aos padrões de exigência das pessoas que partilham as suas vidas nas redes sociais.

“Está a tornar-se cada vez mais difícil porque as pessoas vivem a vida através de selfies. Os gatos pretos são menos populares porque não ficam bem nas fotografias”, disse Christine Bayka, gestora do The Moggery, em comunicado à BBC. “Eu pergunto às pessoas se são flexíveis em relação à cor, ao qual elas respondem que sim, desde que o gato não seja preto.” Os 40 gatos que estão na associação há mais tempo são, aliás, todos pretos, sendo que um deles permanece no centro há já 14 anos.


O perigo das selfies e a coisificação dos animais

Esta notícia é só um dos inúmeros exemplos que espelham um problema que prejudica animais: quando não conseguimos separar o material do essencial e sobrepomos o primeiro ao segundo, priorizando a já enraizada feira das vaidades do século XXI em detrimento do respeito e do bem-estar dos outros. O perigo das selfies, no sentido em que causa um terrível impacto na vida dos animais, não é novo e muitas organizações já o evidenciaram; por aqui também já escrevi sobre este assunto, relativamente aos animais silvestres. E, pelos vistos, os animais selvagens não são os únicos lesados deste espectro narcisista.

A atitude, de discriminar os gatos pela cor para conseguir ter uma fotografia esteticamente agradável, é uma particularidade reveladora da nossa acção global para com os animais: eles são tão explorados por nós, seja para nos preencher as nossas medidas egocêntricas ou para satisfazer meras conveniências, que já nem os consideramos como as vítimas que eles realmente são. Na verdade, chegámos a um ponto em que não os consideramos seja de que forma for. Eles tornaram-se invisíveis para nós, no sentido em que já não os encaramos como seres sensíveis, sencientes e com interesses e personalidades próprios. Os animais foram tão objectificados por nós ao longo do tempo que, actualmente, são comodidades comparáveis a televisores e telemóveis. A nossa megalomania transformou-os em objectos inanimados.


Os gatos pretos são os que lidam com maior taxa de rejeição

Este facto só piora ainda mais o que se está a passar. Para além desta situação mais recente, os gatos pretos lidam com outras discriminações que os perseguem há mais tempo, como o caso das superstições. Um estudo da UC Berkeley, realizado para compreender a ligação entre a cor do gato e a possibilidade de adopção, revelou que a cor influencia na hora de adoptar, mesmo que seja inconscientemente. No grupo das pessoas que foram abordadas, a maioria mostrou preferência por gatos cor de laranja em detrimento dos gatos brancos e dos gatos tricolores. Já os gatos escuros, onde os pretos estão incluídos, foram os que receberam o maior nível de rejeição, o que corroborou a existência da síndrome do gato preto, designada para explicar que os gatos pretos e castanhos são menos adoptáveis por causa da cor.

Esta dura realidade, que tanto pesa no destino dos gatos pretos que estão em abrigos à espera de ser adoptados, leva a que várias associações procurem quebrar esse estereótipo através de campanhas e apelando aos potenciais adoptantes para estarem algum tempo com os gatos antes de tomarem a decisão final.

“Não devemos julgar um gato por causa da sua cor”, afirma Cathy Marden, uma das coordenadoras da Berkeley Humane Society. “Se alguém pensa em adoptar, nós encorajamos a passar algum tempo com todos os gatos, porque é a personalidade do gato – e não a sua cor – que permitirá que saibamos se o animal é o ideal para nós.”


Imagem | Pexels