Existem outras formas de perpetuação da exploração dos animais (produtos de higiene e cosmética testados, compra e venda de cães, gatos e outros, vestuário, entretenimento, etc): todavia, para não ficar repetitivo, o presente texto é somente sobre a parte que trata os animais como comida.
Quando tinha conta no Facebook era ocasionalmente criticada por estar a defender os direitos de todos os animais: também escrevia sobre direitos humanos, feminismo, desigualdade social, discriminação racial e sexual, entre outros assuntos, mas decidiam chatear-se comigo quando eu publicava algo anti-especista.
Enquanto isso, no meu feed apareciam anúncios de páginas que eu nem sequer seguia, quase todas elas ligadas à exploração animal. Tais anúncios surgiam contra a minha vontade: mesmo quando clicava para eliminá-los, passados minutos apareciam outros com a mesma abordagem. Isto pôs-me a pensar no quanto é irónico as pessoas irritarem-se por alguém usar as redes sociais para denunciar um dos maiores crimes morais da Humanidade, ao mesmo tempo que aceitam placidamente estas micro-invasões, vestidas com o subtil véu persuasivo, de negócios que lucram com a morte de animais.
Todos os dias somos constantemente bombardeados com toneladas exaustivas de propaganda que gira em torno de uma alimentação à base de animais: anúncios na televisão, na internet, nas redes sociais, outdoors, folhetos com descontos e anúncios nas paragens de autocarro são só alguns dos meios de aliciamento para o consumo desses produtos. A publicidade tem, precisamente, esse objectivo: chamar a atenção, persuadir e manipular quem recebe a mensagem. Elementos aparentemente tão simples, como a cor, slogan, preço e apelo à emoção, levam à sensação de que o produto em questão é irrevogavelmente essencial, bloqueando o nosso pensamento mais crítico em relação ao mesmo.
Em Portugal há uma cadeia de fast food a cada virar da esquina, o que muito cativa quem está com pressa e não tem muito tempo para comer — sendo que esses estabelecimentos, regra geral, servem exclusivamente refeições com ingredientes derivados de animais. Com os restaurantes a história repete-se e só com alguma sorte encontra-se uma alternativa estritamente vegetariana. Nos supermercados, a grande maioria dos alimentos tem produtos de origem animal: quando afirmo isto não estou a pensar no talho, na peixaria, na charcutaria ou no corredor dos lacticínios — estou a pensar em coisas tão simples e que podiam muito bem ser isentas desses ingredientes, como molhos, bolachas, refeições congeladas, massas, entre outros. Até mesmo as sopas instantâneas possuem soro de leite — mas quase ninguém pensa nesse tipo de ingredientes e na origem dos mesmos, até porque são vistos como normais e inofensivos.
Tudo isso comprova que vivemos num sistema tremendamente especista, no qual somos motivados ao consumo exacerbado de produtos que implicaram a exploração e a morte de seres vivos sencientes: quase tudo tem qualquer coisa que veio de um animal, pelo que parece ser difícil escapar — e talvez seja por isso que muitos de nós não aceitamos com bons olhos princípios éticos abolicionistas como o veganismo.
É fácil concluir que a luta pelos animais é descomplicadamente silenciada e que a única voz activa é a de organizações não-governamentais e de particulares que preocupam-se com eles. Comparando com a quantidade de indústrias, marcas e produtos ligados à exploração animal é um movimento pequeno, apesar de já ser abraçado por milhões de pessoas em todo o mundo — e precisamente por ser algo que foge do convencional e desafia todo o modo de vida que normaliza a redução dos animais, é automaticamente visto como opressivo, extremista e violento.
Dizemos que o veganismo é para pessoas chatas que querem impor os seus pontos de vista sobre os outros e em nossa defesa dizemos que temos o direito de comer o que bem nos apetecer. E, enquanto apelamos para essa liberdade de comer o que queremos, as nossas escolhas negam o direito à vida dos que estão presos nas pecuárias e nos matadouros. As nossas escolhas forçam e determinam o destino de biliões de animais durante todo o ano.
Preferimos continuar a mastigar inconscientemente a propaganda exaustiva e os costumes sociais especistas, rejeitando pensar sobre isso por uns cinco minutos e desprezando o mínimo traço de empatia para com aqueles que experimentam a dor como nós. E o mais triste disto tudo é que as nossas escolhas podiam ser outras. Afinal não passam disso mesmo:
de escolhas.
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