10/10/2015

Os órfãos esquecidos


Muitas pessoas acreditam que as vacas dão leite constantemente e que, por isso, precisam de ser ordenhadas. A ideia de que o leite que compramos no supermercado provém de animais criados ao ar livre e imensamente felizes, como os anúncios insistem em transmitir, também ajuda a esconder a realidade de uma indústria que explora, mutila, viola e mata milhões de vidas anualmente.

Esta realidade, que é bem mais negra do que o céu azul e os prados verdes que idealizamos, é constituída por várias etapas que, apesar de diferentes, têm algo em comum: o sofrimento perpetuado para que o ser humano possa continuar a consumir leite e derivados.

A inseminação


Como foi supracitado, tornou-se comum deduzir que as vacas estão constantemente a produzir leite. Contudo, assim como qualquer mamífero, as vacas só produzem leite para alimentar os seus rebentos. Precisamente por isso, a inseminação artificial, a reprodução selectiva e a intensificação do manejo do rebanho são práticas recorrentes para que o produto em causa nunca falte. Graças a estas manipulações, foi possível duplicar a produção de leite: enquanto em 1970 uma vaca produzia 4,400 litros ao longo da sua vida, actualmente uma vaca produz cerca de 8,618 litros. Por dia, uma vaca pode chegar a produzir 4 litros de leite, o que está bem longe de ser natural.

Mastites


Devido à ordenha constante através de máquinas, e por consumirem rações modificadas precisamente para que produzam mais leite do que o normal, as vacas sofrem bastante com doenças que envolvem inflamações e inchaços dolorosos.
As vacas também costumam apresentar outros problemas de saúde, como disfunções no sistema locomotor. Tal acontece, regra geral, por serem obrigadas a lidar com um solo duro (geralmente de cimento) e em lotes sujos.

O nascimento e a separação


Quando dão à luz, as vacas têm as suas crias retiradas quase imediatamente – geralmente, com um a três dias de vida – para que estas não bebam o precioso leite. As vacas formam laços maternais muito fortes com os seus filhos assim que eles nascem, pelo que os protegerão se tiverem possibilidade. Neste caso, como não podem evitar a separação forçada, manifestam-se mugindo durante dias a fio.
Esta experiência é tão dolorosa para a mãe como para o bezerro, que também chama pela mãe à distância. Muitos chegam a chorar pela progenitora durante vinte dias.

Uma vida curta – uma longa tortura

Na indústria padrão, o primeiro leite que os bezerros tomam é artificial. O colostro, tão essencial, é-lhes negado. Muitas fêmeas terão o mesmo destino das mães, o que significa que passarão por tudo o que as vacas leiteiras passam. Regra geral, as vacas que são exploradas nesta indústria têm os seus chifres removidos e a zona afectada cauterizada com um ferro quente. Assim como a colocação das etiquetas de identificação, nenhuma anestesia é utilizada.
Antes de atingirem a maturidade necessária, que ocorre sensivelmente aos dois anos de idade, são criadas com substitutos do leite. Depois, já adultas e assim que não conseguirem engravidar e produzir mais leite, são abatidas e vendidas como carne de baixo custo.

Os bezerros restantes são vendidos, com uma a duas semanas de vida, para serem criados com o objectivo de produzir carne nas unidades de engorda e em cercados. Outros (primordialmente machos) são vendidos para a produção de carne de vitela. A indústria do leite, portanto, não deixa de estar ligada à indústria da carne e a todas as crueldades nela cometidas.


Os órfãos de leite:

Os dois objectivos da produção de vitela são:

• Produzir um animal com o maior peso no menor espaço de tempo possível;
• Manter a carne tão clara quanto concebível para a exigência do consumidor ser satisfeita.

Os bezerros são deixados em compartimentos pequenos, o que nada tem a ver com o conforto maternal que deviam estar a receber. Em muitas quintas deste género, o espaço é tão limitado que mal se conseguem mover, podendo somente levantar-se e deitar-se. Os compartimentos variam entre os 750mm e os 900mm de largura (sendo que o padrão consegue ser inferior a este).

Como os vitelos crescem muito depressa e produzem bastante calor, a pelagem tende a cair às dez semanas: neste altura, têm imensa necessidade de se lamberem. Como é-lhes negado essa necessidade acabam por ficar expostos a infestações parasitárias externas.

Muitas fazendas utilizam um pavimento laminado e sem qualquer cama, o que maltrata os joelhos dos animais quando estes se levantam e se deitam. Para além disso, os animais com cascos não ficam seguros num pavimento deste género  algo similar a uma grade, algo que o gado evita sempre que pode. A diferença aqui é o facto das lâminas estarem mais próximas umas das outras.


Estes vitelos sentem imensa falta das mães, o que conduz à falta de algo para sugar. Como a alimentação através de tetas artificiais não justifica o trabalho que o produtor tem em limpá-las e esterilizá-las, logo no primeiro dia de reclusão os animais bebem de um balde de plástico. Tentativas de sugar qualquer parte do compartimento são, assim, bastante comuns.

Assim como o bezerro desenvolve a vontade de sugar, mais tarde desenvolve a necessidade de ruminar  ou seja, de ingerir forragem e mastigar o bolo alimentar vindo do rúmen. Todavia, a forragem é estritamente proibida na sua alimentação por conter ferro e escurecer a carne: o vitelo, deste modo, mastiga as paredes do compartimento, daí as perturbações digestivas tão habituais nestes animais.
A não ingestão de forragem torna os vitelos anémicos. O tom rosa pálido da carne é, na verdade, sinónimo de carne anémica. A anemia é controlada, já que sem nenhum ferro os animais simplesmente morreriam. Com uma alimentação normal em termos de quantidade de ferro, a carne não seria tão cara: assim, procura-se um equilíbrio que mantenha a carne clara e os animais vivos durante o tempo necessário para que atinjam o peso do mercado.
Mantidos forçadamente nesta condição hostil que carece-os de ferro, os vitelos desenvolvem um desejo enorme por este elemento e lambem qualquer acessório em ferro que exista nos compartimentos.
O desejo insaciável por ferro é uma das razões que levam o produtor a impedir, a todo o custo, que o animal se mova livremente. Embora os vitelos procurem evitar aproximar-se da sua própria urina e dos seus próprios excrementos, a urina contém algum ferro: o desejo de ferro é suficientemente forte para ultrapassar a repulsa natural, o que levaria aos animais lamberem as tábuas saturadas de urina. Ao produtor essa visão não lhe agrada, uma vez que assim os animais teriam acesso a uma pequena fonte do ferro interdito.

O fim da linha


A esperança média de vida de uma vaca no seu estado natural é de vinte anos.
Na indústria do leite, uma vaca vive por quatro a cinco anos, autenticamente explorada e escravizada; já um bezerro do sexo masculino só tem alguns meses de vida antes de ser morto para a sua carne ser vendida.

Pensem por uns minutos: será que um copo de leite, um queijo, um iogurte ou qualquer outro alimento com derivados lácteos compensa toda esta exploração? Valerá a vida de um animal assim tão pouco?
Faz algum sentido sermos o único animal que, depois da ablactação, continua a beber leite de um animal pertencente a uma espécie diferente?

Existem alternativas com compaixão e igualmente saborosas, nutritivas e muito mais saudáveis. Experimentem leite de soja, de aveia, de amêndoa, de coco, de arroz. Experimentem iogurtes e queijos vegetais. Experimentem a compaixão.

---------------------------------------------------------------

Recursos utilizados:

Vista-se
Muda o Mundo
Erin Janus
Earthling Ed

Libertação Animal, Peter Singer
Editora Via Óptima

Imagens | We Animals

Actualização: Junho de 2018