14/08/2014

Nos bastidores da violência: O desmame


O cair do pano da hediondez tauromáquica: os humanos tornaram o milagre da vida numa maldição para o touro que, desde que nasce, passa pelas etapas mais indescritíveis e mais inimagináveis e tudo isso ainda antes da lide.

Separar uma mãe de um filho à força é, minimamente, desumano: as vacas possuem um fortíssimo instinto maternal e defendem as crias acerrimamente, assim como os bezerrinhos têm uma ligação única com a mãe e dependem bastante dela durante a infância. O processo especificado abaixo é de uma violência emocional extrema que, malogradamente, marcará o início de uma vida repleta de exploração, tortura e barbaridade.

A desmama, nas reses bravas, tem lugar quando os bezerros atingem os oito meses, podendo retardar-se até aos catorze quando nisso haja conveniência, especialmente se os pastos rarearem e, em consequência, não puderem corresponder à voracidade natural das crias, em pleno desenvolvimento.

Correspondendo a desmama à separação entre crias e mães, o natural apego destas pelos filhos, fazem dela uma operação trabalhosa e difícil, a requerer habilidade e paciência.

Para que a separação se verifique com o menor número de incidentes, as vacas são conduzidas para a proximidade de um cerrado e habilidosamente se lhes juntam os cabrestos enquanto os campinos vão interpondo-se, com cautela, entre mães e filhos. Conseguido o fim em vista, aquelas vacas que se acharem isoladas das crias são arroupadas e conduzidas ao cerrado, após o qual voltarão os cabrestos para auxiliarem nova operação.

Regra geral, os bezerros, depois da separação, conduzem-se para um dos currais do tentadero onde, seguidamente, se procederá à ferra. Surpreendidos com a falta das mães, os bezerrinhos mostram-se desconfiados aconchegando-se uns aos outros, e tais aspectos recomendam especiais cuidados na maneira por que são conduzidos, devendo evitar-se tudo quanto possa assustá-los ou causar-lhes qualquer dano.

Os trabalhos relativos à desmama são mais difíceis quando se trata de vacas que são mães pela primeira vez, pois, muito ciosas dos filhos, facilmente se apercebem de que lhos querem furtar. Mais tarde, ao fim de duas ou três parições, as vacas parece já compreenderem a separação, possivelmente por hábito, e oferecem menos dificuldades.

Antigamente e até à relativamente pouco tempo, a desmama não era feita por esta forma, lançando-se mão de processos tão bárbaros, que chega a pasmar como puderam manter-se através dos tempos, pois o seu uso vinha já desde a constituição das ganadarias organizadas (segunda metade do século XVII). Entre outros sistemas, foi costume, usando-se de todos os ardis, cruzar golpes no úbere das vacas ou, por cauterização, causarem-se ferimentos, por forma que fossem as próprias mães a rejeitar os filhos quando estes pretendessem mamar, em virtude das dores que sentiam. Posteriormente registou-se outro sistema de desmama, talvez mais bárbara ainda, segundo o qual se tomavam à mão os bezerros enquanto um grupo de homens, aguardando a reacção das mães, recebiam as suas investidas à paulada, zurzindo-as até que se rendessem nessa luta violenta em que tão mal se lhes recompensava o seu maternal apego.

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Enciclopédia Tauromáquica, 1962
De Jayme Duarte de Almeida
José Barrinha Cruz

Via Marinhenses Anti-Touradas (blogue e facebook).
Veja os artigos restantes no álbum original.

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